Junho 22 2010

Definir cultura pode não ser uma tarefa fácil, e certamente todos o fazemos com palavras diferentes, de acordo com as perspectivas e habilidades de cada um. Mas há certas ópticas, no mínimo, discutíveis.

Ontem, os deputados Vicente Jorge Silva (PS) e Paulo Mota Pinto (PSD) participaram no Frente-a-Frente, do Jornal das 9, na SIC Notícias. Parte da discussão decorreu em torno da morte de José Saramago e da ausência do Presidente da República nas cerimónias fúnebres.

A certa altura, discutia-se a valorização da cultura pelo PR, e Mário Crespo interpelou o deputado social-democrata sobre o seu hipotético modo de agir, perante um “momento irrepetível [na cultura portuguesa] – é pouco provável que tenhamos um prémio Nobel da Literatura novamente”. A resposta deixou-me boquiaberto: “Há compromissos (…) Para já, [esse tipo de afirmações] partem de um conceito muito limitado de cultura: até parece que a economia e as finanças não são cultura também!”

Embora, no sentido mais abrangente possível, toda a acção humana possa ser vista como expressão “da cultura humana”, querer juntar a economia e as finanças, doentias como são em Portugal, às expressões culturais que lutam para se manterem à tona neste país à beira mar plantado é, no mínimo, acto censurável e idiota.

Já nos chegam os cabeçalhos de jornais e a constatação diária. Fazer uma afirmação daquelas, no momento em que perdemos uma das maiores figuras da cultura nacional, é lamentável e reflecte bem o longo caminho que a sociedade e a política portuguesa ainda têm de percorrer.

Publicado por Fábio J. às 22:19

Junho 18 2010

Estava a conduzir quando recebi a mensagem. Li-a vinte minutos depois, em casa: “Morreu Saramago”. Simplesmente. Não demorei e liguei a televisão. A notícia era divulgada e discutida nos canais portugueses e europeus.

No site da fundação José Saramago lê-se, sobre fundo negro: “Hoje, sexta-feira, 18 de Junho, José Saramago faleceu às 12.30 horas na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila.”

Apenas posso confessar a minha verdadeira tristeza e o sentimento de perda. Perdemos o maior escritor português da actualidade, um homem de convicções e de ideias, uma consciência pública sem par.

O seu lugar, vincado pela sua singularidade e o seu talento, ficará livre para sempre, como o de todas as grandes figuras da nossa História.

Resta-nos a certeza de que o escritor sobreviverá ao correr do tempo, e que José Saramago será para sempre uma voz única e admirável na literatura em Português e da escrita contemporânea.

Hoje, a literatura portuguesa está de luto.

Publicado por Fábio J. às 15:56

Junho 04 2010

Comecei a ler Memória de Elefante há quase um mês, mas parei no quarto ou quinto capítulo, não sei bem porquê. O livro ficou na cabeceira, sossegado, até que ontem o (re)li do início ao fim. Trata-se da obra de estreia de António Lobo Antunes, certamente um dos autores de referência na literatura portuguesa contemporânea.

A obra é incomum, não é fácil e exige atenção e dedicação a cada frase. Por um lado, há a narrativa de um homem sufocado pela própria existência. Por outro, há o estilo denso e invulgar do autor. E no meio há o carácter autobiográfico da obra, perturbador.

Tudo se passa em torno do psiquiatra, um homem de meia-idade, pai, divorciado e solitário, mergulhado numa crise existencial simplesmente por ser quem é. Ao longo do dia que ele, ou o outro ele, nos narra, seguimos um percurso labiríntico e quase cíclico, no qual os encontros fortuitos se tornam causa de pensamentos tortuosos e os pensamentos se tornam justificação para lembranças desejadas. Este homem busca as causas para o que é, para onde está, sem nunca concretizar expectativas credíveis, e para isso recorre a uma involuntária conjugação de tempos e realidades, numa espécie de evasão ao passado idealístico e vaticinador do presente.

É egoísta, não se cansa de o afirmar. Mesmo querendo lutar para mudar, sabe-se cobarde, incapaz de agir e de buscar aqueles que o amam para lhes dizer que também os ama. Quando é que eu me fodi? A pergunta leva-o à infância familiar, à juventude clandestina, à África bélica, ao passado de felicidade inconsciente, procurando o que mudara e perdera.

Esta estória de um só dia, que é a história de uma vida, é uma descrição artística dum mundo pessoal, paradoxo meramente linguístico e profundamente real. O autor apresenta uma diversidade linguística notável e uma narrativa irrealisticamente metafórica, que tanto me impressionou como cansou, tanto me agradou como exasperou.

Mais uma vez, não é um livro fácil e não me parece que Lobo Antunes seja um autor fácil. Mas é sincero, sem limitações ou habilidades fingidas, o que o torna um desafio bem-vindo. Verdade seja dita: não é um dos meus livros favoritos. Ainda assim, é difícil não reconhecer o valor de uma obra como esta.

Nas últimas páginas, o psiquiatra tem a certeza ou a vontade ou a ilusão de seguir em frente e atingir a existência enquanto homem. Resta saber se a sua memória cáustica, que o salva só para o manter em sofrimento, o permitirá começar uma vida menos amarga.

 

Memória de Elefante de António Lobo Antunes

Dom Quixote, 1979 (ed. 2004)

Publicado por Fábio J. às 23:14

Junho 04 2010

Estava a escrever o meu parecer sobre Memória de Elefante quando me apercebi do dia: 4 de Junho. Há quatro anos, comecei este blog, sem expectativas nem ambições, apenas com a vontade de discutir as minhas leituras com quem gostasse (ou não) dos mesmos livros que eu. Bem, posso dizer que encontrei com quem discutir.

Com a pompa que as circunstâncias permitem, agradeço aos que por aqui têm passado e com quem debati ideias e troquei opiniões. Visitantes, comentadores, escritores, editores, o espaço cresceu com todos e não deixo de me surpreender com cada comentário ou mensagem que recebo, sobretudo neste último ano, no qual a actividade tem sido limitada.

Gostava de fazer muito mais, quero fazer mais. Mas com outras prioridades, não é fácil. Temo que este se tenha tornado um espaço decadente, sobretudo quando comparado com os inúmeros, incontáveis outros espaços sobre livros, de amadores ou profissionais, que podemos encontrar na internet portuguesa. Há quatro anos isto não era assim…

Seja como for, este é o meu cantinho, e enquanto eu puder, durará.

Obrigado :)

Publicado por Fábio J. às 16:24
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