Nem todos os livros têm de apresentar um estilo insólito para serem bons livros. Nem todos os livros precisam brilhar para agradar ao leitor. E nem todos os livros precisam ser o melhor livro para valerem a pena serem lidos. A prová-lo está O Homem Duplicado, um romance de 2002 da autoria de José Saramago.
Alguns capítulos depois de ter começado a ler o livro senti uma certa desilusão. Ao contrário dos livros que já li do autor, O Homem Duplicado parece um romance comum, com evidente excepção para o estilo pessoal e único que caracteriza o autor. A narrativa continua a ser muito bem contada e a criatividade proporcionadora de um contentamento completo mas, há quase sempre um mas, a história parecia-me um tanto ou quanto monótona, pese o facto de ser tudo menos trivial.
O homem que dá vida a esta história, ou pelo menos o primeiro, chama-se Tertuliano Máximo Afonso, nome “rançoso e malfadado”. É professor de História do secundário e tem uma vida monótona, sem muito interesse. Quis o destino, ou seja lá o for, que um colega, professor de matemática, lhe recomendasse um filme para o libertar do marasmo constante. E nesse momento o destino de Tertuliano, destino que em cima referi, foi decidido. Nessa noite, em casa, após ver o filme e se deitar para dormir, acorda repentinamente, sentindo um intruso em casa. Levanta-se e dirige-se à sala, onde havia visto o filme, revendo-o. E, então, “levantou-se da cadeira, ajoelhou-se diante do televisor, a cara tão perto do ecrã quanto lhe permitia a visão, Sou eu, disse, e outra vez sentiu que se lhe eriçavam os pêlos do corpo”.
O protagonista descobre, portanto, que existe um homem exactamente igual a si, algures e, por mais que tente esquecer tal facto, será incapaz de lutar contra a necessidade de conhecer esse outro homem em tudo semelhante a si. Assim começa a busca de Tertuliano Máximo Afonso.
Embora a história se desenvolva de uma forma, a meu ver, um pouco lenta, sem acção, a verdade é que a certa altura senti o desequilíbrio de Tertuliano a atingir-me. Não há loucos nesta estória, mas há um tom de loucura que me assustou, como se o mundo que conheço fosse, todo ele, um grande palco de circo. E os palhaços assustam-me...
Depois de um progresso pouco interessante, a narrativa torna-se, na parte final, assombrosa. Confesso, não tenho porque não o fazer, que me apeteceu chorar perante a resolução da história. É caso para dizer que, calmamente, Saramago cria um universo e um grupo de personagens aparentemente comuns mas que, precisamente devido a tal aparência, se vêm a mostrar admiráveis.
A identidade humana, a nossa interdependência, os valores e as razões da vida são apenas alguns dos conceitos em jogo.
Embora dos três que até agora li este seja o que menos gostei (?), é neste livro que Saramago mostra o seu estilo de uma forma pura, surpreendendo-me, mais uma vez, com a genial capacidade para narrar e interagir com o leitor.
Não o recomendo como primeira abordagem ao autor, mas para quem já leu outra obras do Nobel português este livro é obrigatório.
O Homem Duplicado de José Saramago
Boas Leituras!