Fevereiro 28 2011

O livro A Sacerdotiza dos Penhascos é o sexto volume da Saga das Pedras Mágicas, uma série de fantasia criada pela portuguesa Sandra Carvalho. Tendo lido os volumes precedentes, já conhecia o contexto da história: magia, batalhas, profecias, amores impossíveis e um universo alternativo no qual uma sociedade medieval sob influência religiosa convive com vikings, vândalos, feiticeiros, elfos, seres mágicos e monstros. Nem sempre todos estes elementos se conjugaram do modo mais harmonioso e, no entanto, parece-me inegável que, livro após livro, a intriga manteve-se consistente.

A abordagem da autora e o desenvolvimento do enredo têm variado ao longo dos títulos, mas é clara a importância atribuída à componente sentimental das personagens. Diria que, umas vezes, há drama mais. Outras, o tom é perfeito. Gostos à parte, Sandra Carvalho diferenciou-se com as histórias de amor e com a dinâmica emocional das personagens. A mais recente publicação da série é fiel a esse estilo. Ainda assim, a meu ver, mostra-se mais sóbria do que algumas das precedentes, em reflexo da maturidade artística da autora, da solidez adquirida pela saga enquanto universo criativo e, sobretudo, graças às personagens.

Kelda, a protagonista deste volume, é a típica jovem incapaz de corresponder às expectativas dos que a rodeiam, pelo menos tão típica quanto uma filha de grandes feiticeiros pode ser. Nasceu no seio de uma família em que todos têm poderes, mas não manifesta qualquer força sobrenatural. Essa condição molda-a e diferencia-a das protagonistas anteriores. Aliás, o seu percurso acrescentou algo novo e refrescante à série.  Já não é dada tanta atenção à trama familiar, destacando-se antes a séria dedicação à protagonista e ao seu crescimento. O leque de personagens também é mais restito, embora diversificado, e penso que tal se traduziu numa história mais consistente e fácil de acompanhar.

A sempre referida narrativa em primeira pessoa funciona muitíssimo bem neste volume, um pouco como os volumes iniciais. Sem levar à perda das informações necessárias à compreensão da história, a voz da protagonista permite-nos conhece-la, aos seus sentimentos, aos seus medos e à sua tenaz determinação.

Acaba por ser um livro sobre isso: determinação e sacrifício; sobre a luta incessante por aquilo em que se acredita, mesmo que não se tenha as ferramentas necessárias, ninguém nos apoie e as probabilidades de vencer sejam ínfimas.

Não é o melhor que o fantástico tem para oferecer, mas é singular no modo como conjuga elementos de fantasia épica, por vezes negra, com os sentimentos efervescentes, mas intensos, de uma rapariga que se torna mulher. Não é literatura para meninas. Não é uma patranhada. Não é uma série de coisas, feliz e infelizmente. É uma história escrita com paixão, ecléctica e cativante. Tem o seu quê de excesso é certo, devido ao ocasional arrebatamento dramático das personagens e, diria eu, da autora. Mas seja o que for, agradou-me e lamentei termina-la.

E uma coisa é certa: os leitores da saga não podem deixar de notar a evolução do estilo e da narrativa presentes neste livro. É uma boa razão para não perder o sétimo e (aparentemente) último volume da série que, segundo os rumores, será lançado antes do próximo Verão.

A Sacerdotiza dos Penhascos de Sandra Carvalho

Editorial Presença, 2009

Links: Sinopse (editora) | Site da autora

Até Breve!

P.S.: Depois de vários meses ausente, a ver se é desta que volto à rede.

Publicado por Fábio J. às 22:47

Setembro 20 2010

Há um mundo cuja noite é dominada por criaturas malignas, demónios que se materializam a partir das profundezas da terra mal a luz do sol desvanece. Nesse mundo, o Homem vive durante o dia e esconde-se durante a noite, protegendo-se da morte graças aos símbolos deixados pelos seus antepassados. As guardas mantêm os diversos demónios afastados, abrigando aqueles que as desenham. Porém, há quem não se resigne a viver eternamente preso nesta redoma nocturna, vítima do medo permanente. Este é o mundo de Peter V. Brett, e O Homem Pintado é a sua história.

Arlen, Leesha e Rojer são as personagens principais, três jovens sem habilidades ou poderes extraordinários e com vidas comuns, até que algo os força a quebrarem laços e a tornarem-se mais independentes da família, da sociedade e, por fim, do medo. Inicialmente, as suas histórias são narradas separadamente, mas há medida que as crianças se tornam adultos e desenvolvem as suas capacidades, os seus destinos aproximam-se. Um Mensageiro guerreiro, uma Herbanária e um Bardo, três personagens com um percurso tão cativante que tornam, por si só, a leitura obrigatória.

Devo, efectivamente, começar por debruçar-me sobre estas três personagens, pois este constitui, sem dúvida, o grande triunfo da obra. São, acima de tudo, figuras desconcertantes porque vivem num mundo estagnado, marcado por um marasmo social, e não o aceitam. Neste aspecto, Arlen é fascinante, já que se revolta contra a cobardia do pai e de todos os outros que se resignaram a defender-se dos demónios sem nunca dar luta, nem mesmo por aqueles que amam. Arlen acredita na existência de soluções e, por isso, parte numa demanda épica em busca do conhecimento e das armas que lhe permitam iniciar uma batalha. E não digo épica pelos seus feitos, mas pela sua aprendizagem, pela sua coragem e pela sua determinação. Arlen é um herói desde que vira as costas à protecção que sempre conhecera, e a evolução do seu carácter é a dos grandes homens. Leesha e Rojer também surpreendem, como muitas das restantes personagens que compõem esta história aliás, precisamente por crescerem página após página e, ainda assim, manterem uma coerência invejável. São simples, talvez demasiado lineares, mas penso que isso se deve, sobretudo, à própria acção.

Em contraste com outras obras do género, esta parece-me simples. O enredo não é denso, e a acção desenvolve-se sobre linhas claras. Talvez por isso haja uma grande fluidez, sem monotonias, e seja tão fácil acompanhar toda a história. Mas o facto é que, mesmo com algumas surpresas e momentos inesperados, o sumo da história pode ser exprimido desde as primeiras páginas. Parece-me que tal será diferente nos próximos volumes, mas não posso deixar de o referir.

Para além disso, enquanto lia este livro não pude deixar de pensar em quanto aquele mundo e aquela mitologia fazem sentido. Passo a explicar: é comum nas obras deste género encontrarmos mitologias elaboradas, que estão por trás de civilizações milenares que pouco ou nada evoluem com o tempo, o que, muitas das vezes, não faz sentido nenhum. Porém, em O Homem Pintado, estamos perante um civilização composta por não mais do que algumas aldeias desprotegidas e cidades fortificadas, entre as quais a comunicação, a sua expansão, o seu desenvolvimento e, em última acepção, a sua evolução, são comprometidos por demónios que, todas as noites, são omnipresentes e contra os quais é dificílimo lutar. Ou seja, Peter V. Brett criou uma mitologia simples mas tremendamente eficaz, pois não só serve de base a uma empolgante história épica como se enquadra muito bem no seu mundo. Em suma, um livro óptimo.

Muito mais havia para dizer, mas fico-me por aqui. Espero ler, em breve, A Lança do Deserto, segundo volume desta trilogia, pois estou bastante curioso quanto à evolução desta fantástica história.

Sem dúvida, um livro cativante e envolvente, narrado com clareza e recomendado para todos.

6777

O Homem Pintado de Peter V. Brett

Renato Carreira, Gailivro, 2009

 

Boas Leituras!

Publicado por Fábio J. às 17:52

Agosto 21 2010

Seria normal pensar que, depois de cinco volumes, As Crónicas de Gelo e de Fogo perdessem alguma da sua sagacidade. Porém, em A Glória dos Traidores, George R. R. Martin volta a usar os seus velhos e bons truques para desenvolver o seu enredo poderoso e, mais uma vez, o resultado é arrebatador. Apesar disso, volto a perguntar-me se entre a habilidade e criatividade do autor não existe um dramatismo crónico que, não raramente, o salva da monotonia, de outra forma, quase certa. Mas, seja como for, gostei imenso do que li.

A par com A Tormenta de Espadas, este volume constitui o terceiro livro desta série na versão original, A Storm of Swords, e nele são narradas cenas entusiasmantes e surpreendentes, no melhor do autor. Tentar aqui resumir esses episódios não faz muito sentido, devido às múltiplas perspectivas dadas pelas personagens e ao enredo complexo, mas vale a pena realçar o velho jogo de poderes que anima esta obra, com as suas lutas entre exércitos, alianças, inimizades, traições e, claro, mortes. No entanto, neste livro houve outro aspecto a captar a meu interesse: os elementos fantásticos, e não apenas os estranhos homens gelados “mortos-vivos”, os Outros. Também os gigantes, os mamutes e as restantes figuras do norte gelado me fizeram ansiar pelos capítulos aí passados. Quem leu sabe a que me refiro, quem ainda não o fez está a perder algo singular.

Mas prestando maior atenção a este volume, não posso também deixar de destacar o confluir de histórias que nele se observa. Uma das mais claras particularidades desta série relaciona-se com o alternar de pontos de vista e linhas de desenvolvimento da acção, o que lhe confere uma dinâmica única. Porém, neste volume, essas linhas, até então paralelas, cruzam-se mais do que nunca, e mal posso espera para saber o que daí resultará.

Estou também curioso em relação à próxima vítima de GRRM, ou seja, ao próximo herói a ser morto (um termo, aparentemente, não definitivo) quando menos se espera. Eu diria que o desaparecer de personagens tem vindo a tornar-se um arquétipo da série, mas resulta e, embora nem sempre me agrade, espero pelo que se seguirá. Neste volume perde-se (?) uma das vozes conscientes da obra, não necessariamente boa nem má, mas daquelas personagens com valores e princípios (pouco) subornáveis. Foi inesperado, mas é um exemplo de como Martin manipula magistralmente a sua história.

Trata-se, em suma, dum dos meus volumes preferidos, e não apenas pelo drama (que, confesso, tem sempre o seu encanto) mas, sobretudo, pela acção dinâmica e em constante mutação que desafia a imaginação e o bom senso. Um bom prenúncio do que ai vem.

A Glória dos Traidores de George R. R. Martin

Jorge Candeias, Saída de Emergência, 2008

Boas Leituras!

Publicado por Fábio J. às 20:12

Maio 16 2010

Alheios às inúmeras discussões sobre o Fantástico nacional, vários autores portugueses continuam a escrever e a publicar obras daquele género. Sandra Carvalho é um deles. Há mais de cinco anos, deu início à Saga das Pedras Mágicas e conquistou os seus leitores com as aventuras e o amor de Catelyn e Throst. Com a sucessão dos volumes, sucederam-se as gerações e surgiram novos protagonistas, novo enredo e novas lutas, mudanças que nem sempre me agradaram.

No quinto volume, Os Três Reinos, Edwina mantém-se heroína e narradora da história. Mais uma vez, é difícil resumir o seu percurso, dada a ausência de uma linha consistente que oriente a acção. As pedras mágicas têm cada vez menos importância, as profecias tornaram-se banais e até as relações familiares perderam a complexidade que outrora envolvia o leitor. Mesmo assim, este é um volume de resoluções e muito sucede. Finalmente, profecias são cumpridas e inimigos derrotados, casais unem-se e celebram o seu amor, velhas histórias terminam e respostas são dadas. Por tudo isso, aplaudo a autora.

Há ainda um outro aspecto que devo destacar: a magia. Se nos volumes anteriores a magia, suposto ponto central da história, era muitíssimo limitada e estava quase restringida aos malfeitores, neste volume já é possível assistir ao uso completo dos encantamentos e feitiços por parte dos heróis. Este pormenor torna as batalhas mais cativantes e menos previsíveis, para além de gerar imagens fascinantes.

De certo modo, este é um volume mais simples do que os anteriores, sem elementos que perturbem a narrativa principal, mas continua bastante prolífero. A criatividade da autora conjuga-se com elementos históricos, mas de um modo que torna a história pouco credível. Ainda assim, as personagens apaixonantes e o estilo envolvente com os quais a autora já habituou os seus leitores, fazem deste um livro aprazível e cativante que lamentei terminar.

Há uma nova geração de personagens que se prepara para assumir o protagonismo, uma série de profecias que terão de ser cumpridas ou evitadas e muitas batalhas que decidirão o rumo dos povos da Terra. No entanto, confesso não ter conseguido definir expectativas concretas, devido à grande fluidez do enredo. Apenas antevejo momentos decisivos e sombrios narrados com a paixão característica de Sandra Carvalho.

O sexto volume, A Sacerdotisa dos Penhascos, já espera na estante. O sétimo e último será publicado, pelo que consta, em meados de 2011. A curiosidade é muita.

Os Três Reinos de Sandra Carvalho

Editorial Presença, 2008

Boas Leituras!

Publicado por Fábio J. às 16:53

Maio 14 2010

Depois de um livro de fantasia com quase mil páginas, procurei na minha estante um livro mais realista e mais pequeno. Peguei no Como Água para Chocolate, de Laura Esquivel e, embora o livro seja menos volumoso e a história se passe no México do século XX, está polvilhado de elementos fantásticos.

O característico realismo mágico sul-americano associa-se, nesta obra, à culinária, fazendo deste um livro deveras peculiar. Em cada capítulo há uma nova receita, cada uma um novo mote da história, não fosse a confecção e a degustação dos alimentos marcadas por acontecimentos sobrenaturais que muitas vezes condicionam ou balizam as acções das personagens.

A principal é Tita, a mais nova de três irmãs. A tradição consagrou-a ao serviço da família, em especial da mãe, de quem deve cuidar na velhice. Como tal, não deve apaixonar-se e está proibida de se casar. Por isso, quando o seu amado Pedro lhe pede a mão em casamento, tudo se complica. As famílias chegam a um acordo, e Pedro acaba por casar com a irmã mais velha de Tita. Perante tão desesperante situação, a protagonista procura na cozinha um espaço de evasão, executando receitas ou tecendo feitiços, não fossem ambas as coisas tão semelhantes ou até, como nos mostra Tita, duas artes inseparáveis.

A narrativa é apresentada com modo simples e conciso, com tom animado e numa linguagem quase familiar. Tal permite uma eficaz proximidade com as personagens e os acontecimentos. As descrições não são extensas nem particularmente pormenorizadas, mas foi-me muito fácil visualizar o ambiente, em especial a cozinha, onde tanto se passa. Mesmo tendo em conta o género, os fenómenos paranormais conjugam-se muito bem com a acção e geram-se imagens de grande interesse.

No entanto, a descrição das receitas com detalhe enciclopédico quebra o ritmo da narrativa. Embora a culinária seja parte essencial da história, a não ser que se queira passar das palavras à gustação, estas passagens pareceram-me um tanto ou quanto sobre-exploradas.

Para além disso, a personagem principal e o enredo revelaram-se, em determinadas situações, previsíveis e há, em toda obra, algumas situações injustificadas, sobretudo no que toca às personagens secundárias e às poucas histórias paralelas existentes. É verdade que a novela é simples a apresenta elementos do fantástico, mas gostava de ter visto alguns aspectos mais desenvolvidos, sobretudo por curiosidade.

Ao longo da obra assistimos ao crescimento da jovem Tita e à sua luta contra tradições que merecem ser deixadas para trás. O final faz jus à narrativa e ao título, terminando de um modo tão romântico quanto apocalíptico. No fim de contas, a vida e o amor são mesmo assim, uma eterna luta em busca de um final merecido.

Um sucesso internacional de vendas que vale a pena conhecer! Eu já tenho Laura Esquivel e outros autores sul-americanos debaixo de olho…

Como Água para Chocolate de Laura Esquivel

Cristina Rodríguez, Edições ASA (edição Biblioteca Sábado, 2008)

 

Boas Leituras!

Publicado por Fábio J. às 20:57

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