Michael Ondaatje é um escritor canadiano, conhecido, sobretudo, pela sua obra O Doente Inglês, distinguida com o Prémio Booker, em 1992, e cuja adaptação cinematográfica valeu 9 Óscares. Depois de meses na estante, este livro passou para a cabeceira, proporcionando-me uma leitura peculiar.
Não será correcto apontar um local, uma data ou um narrador para esta história, já que estes permutam subtilmente entre si. Contudo, o presente da narrativa, que une personagens e histórias, passa-se no final da Segunda Guerra Mundial, num mosteiro em ruínas na Toscana, Itália. Aí, uma jovem enfermeira, Hana, cuida de um enigmático homem, queimado e sem nome, contador de inúmeras façanhas e episódios. A eles juntam-se um homem de mãos ligadas, Caravaggio, e um sapador sikh, Kip. Quatro vidas unidas por uma guerra que não lhes pertence, que os encurralou e que os fez abandonar a guerra que cada um trava no seu íntimo, contra o passado ou contra o futuro, sempre contra si mesmos.
A convivência leva estas quatro personagens a partilharem memórias e segredos, reconstruindo as suas identidades há muito perdidas e, em última análise, a julgarem-se, gerando amor, ciúme e ódio. Desse modo, conseguem reflectir sobre quem são e o que fazem, quais as suas motivações e os seus medos. Em suma, encontram-se.
Trata-se de uma história ora trágica, ora comovente. O contraste entre o passado e o presente das personagens, associado à indefinição que é o futuro, fomenta a reflexão sobre a própria vida. Esse contraste é possível graças aos diversos fragmentos que compõem esta obra e às histórias secundárias que a complementam. Talvez por isso, esta não seja uma leitura simples. Não existe coesão externa e é muito fácil perdermo-nos no emaranhado de acontecimentos e episódios.
O narrador é uma figura inconstante, sendo quer mero observador, quer personagem principal, narrando na terceira ou na primeira pessoa. Por mais do que uma vez, ele pergunta-se (ou pergunta-nos) quem falava nos últimos parágrafos, de quem era a memória ou a confissão da página anterior… Um exercício pelo qual, reconheço, me deixei fascinar.
É-me muito difícil avaliar este livro. Parece-me não haver forma de focar os aspectos que me fizeram apreciar esta obra, talvez porque não sejam concretos, talvez porque a viagem psicológica das personagens seja também uma viagem íntima com o leitor. A verdade é que me senti muito bem enquanto o li, e guardo já uma certa saudade…
Em suma, este livro, mais do que outros, prova que ler é uma experiência, com tudo o que isso acarreta. Requer uma leitura atenta, mas é possível faze-lo e obter imenso prazer de cada frase e de cada detalhe do enredo.
Apetecia-me escrever muito mais e, no entanto, talvez não tenha escrito algo muito construtivo. A culpa é (também) da singularidade livro.
O Doente Inglês de Michael Ondaatje
Ana Luísa Faria, Dom Quixote (edição Biblioteca Sábado, 2008)




Boas Leituras!