Dezembro 19 2007
Vi hoje, pela primeira vez, uma reportagem na TV sobre a ratificação do Acordo Ortográfico. Não sou assíduo a ver televisão, é uma verdade, mas mesmo que esta não seja a primeira vez que referem o assunto, não tenho dúvidas que se está a dar muito pouca importância ao acontecimento, pois embora alguma imprensa escrita vá acompanhando os progressos parece-me que está longe de lhe dar o destaque merecido.
Na dita reportagem, que apresentava de forma suscita as mudanças que ocorrerão no português de Portugal, a grande maioria das pessoas a quem foi pedida a opinião, estudantes do 12º ano, era bastante a favor da mudança. Respeito, mas não posso concordar.
A minha discordância deve-se principalmente a dois factores: primeiro, está a ser tomada uma decisão que alterará uma parte importante da vida e da identidade de milhões de pessoas sem que ninguém lhes pergunte se querem, ou não, passar a escrever doutra maneira; e em segundo, na maioria dos casos, a mudança irá conduzir-nos a uma escrita simplesmente incorrecta, ilógica, e puramente facilitista.
Usarei a palavra acção (tantas vezes apontada) para me explicitar. Ao contrário do que alguns pensam, o “c” não está na palavra pura e simplesmente para a embelezar ou para dar “estilo” (já me disseram isto). Esta letra está lá pois, como todos sabemos, acção lê-se “á-ção”, ou seja, com acentuação no primeiro “a”. As letras “c” e “p”, os exemplos mais dados quando se fala neste acordo, são usadas precisamente para isto, ou atente-se na palavra “actor” ou “baptismo”. Sem estas letras, as vogas deixariam de ser acentuadas, devendo ser lidas, então, como o primeiro “a” de “falar”. Assim sendo, tem alguma lógica escrever “ação”, “ator” ou “batismo”? Da duas uma: ou mudamos a fonética e prosódia da nossa língua, o que seria realmente absurdo, ou passamos a representa-la graficamente duma forma errada.
Note-se que eu concordo com algumas das mudanças, com aquelas que me parecem correctas e lógicas, nomeadamente a queda do hífen como acontece em “mini-saia” que passa para “minissaia”, por exemplo. A queda do acento circunflexo em palavras como “vêem” ou “crêem” também me pareça incorrecta mas já não me é tão estranha, embora, aparentemente, nada me impeça de ler “cri-em” quando tenho “creem”.
Embora com o tempo se deixe de dar importância a estes “pormenores”, como já acontece no Brasil, que explicação se dará a uma criança que um dia pergunte porquê que “acção” se escreve “ação” e não “áção”, já que assim se lê?
E uma coisa é as crianças, que estão em fase de aprendizagem, mas que dizer dos nossos avós, dos nossos pais, ou até de jovens em fase final de estudos. Já as TLEBS acho um desrespeito aos alunos, principalmente por se andar sempre com alterações, avanços e recuos, agora com isto, que dizer dos milhões de pessoas que se verão, se certa forma, como iletrados dum dia para o outro? Ok, a nossa Senhora Ministra da Cultura dá-nos um prazo de 10 anos para nos habituarmos à mudança. Talvez dessa forma não se sinta tanto, mas e os livros que tenho aqui na estante, os meus dicionários e os meus livros de estudo? E os milhões de livros espalhados pelas livrarias e bibliotecas de todos os países de língua oficial portuguesa? E as pessoas que raramente escrevem? E, acima de tudo, onde está a lógica de muitas destas mudanças e a explicação sobre elas?
Já muitos disseram que quem não concorda com este Acordo, perdoe-se a antitética redundância, é contra a inovação e/ou tem medo da pseudo influência brasileira no português, tão orgulhosamente nosso, mas realmente acho isso estúpido. Muito da mudança é erróneo e ilógico, existirão graves consequências sociais e económicas e estão meia dúzia de pessoas a decidir por milhões e ainda nos pedem para baixar a cabeça e concordar.
Falemos a sério: não será esta ideia de mudança fruto de pessoas que, desculpem-me a minha sincera opinião, não encontraram nada mais útil para fazer? Falam-se em grandes vantagens económicas a longo prazo e na construção duma língua internacionalmente mais forte. Se assim for, fomos bastantes pioneiros e devemos alertar a nossa vizinha Espanha que, coitada, não se desenvolve por não ter o seu povo a falar uma única língua, ou os falantes de inglês que, com as vertentes norte-americana e britânica não têm uma língua com potencial! Ou eu sou muito parvo, ou no fundo até tenho razão.
Embora pense que o Acordo Ortográfico seja uma realidade, fiquei contente por saber que este será discutido na Assembleia da República: pelo menos alguém lhe concedeu alguma importância
Lembrei-me de fazer este post devido a uma coisa, e já me esquecia de a referir. Costumo receber várias mensagens no e-mail do blog, sobre os mais variados temas. De vez em quando, lá aparece uma publicidade ou coisas do género. Recentemente recebi uma mensagem publicitando o SebosOnline, um site brasileiro de venda de livro novos e usados. Pelo menos na minha zona, a palavra sebo refere-se à gordura natural da pele que dá aquele brilho nojento quando exposta à luz. No dicionário: substância gorda e consistente das vísceras abdominais de alguns animais; (Brasil) estabelecimento de alfarrabista; Depois disto, acham mesmo que o Acordo resolve as diferenças?... Ora imaginem uma empresa, em Portugal, chamada SebosOnline... Viva a eficácia do Acordo!
Em breve voltarei a este assunto.
Até lá, Boas Leituras!
Publicado por Fábio J. às 23:07

Olha eu comentando primeiro de novo!!! ;))
Vou dizer que concordo com você em partes...
Bem, na verdade, o Acordo afetará mais o povo português mesmo, então, talvez você possa se manifestar tão incisivamente...
Vou contar-lhe uma coisa, aqui no Brasil muito pouco se toca no assunto, também; e, quando se manifestam a respeito, é geralmente contra...
Acho muito estranho a retirado do acento circunflexo de algumas palavras assim como você.
Todavia, a retirada do "c" de acção, não me parece tão estranha, mas deixa pra lá... Não tenho esse direito, já que não cresci aprendendo que devo escrever ação com um "c" depois do "a"!

Ah, parabéns pelos prêmios recebidos!!! Gosto muito desse blog, foi merecido!!!
Fica na Paz!!!
Ronni a 19 de Dezembro de 2007 às 23:58

Pelos vistos em país algum os cidadãos foram consultados sobre esta temática, não chegando, seque, a haver debate. Talvez haja... depois de já estar tudo determinado.
Aqui em Portugal, o Governo pediu uma moratória de 10 anos mas, pelo que li, no Brasil as mudanças dão-se na totalidade já na passagem de ano, portanto, é bom que os brasileiros estejam atentos, embora na prática a mudança não seja assim tão drástica (em Portugal também não é, mas continuo a não concordar).
Certamente que as crianças portuguesas que cresçam escrevendo sem os "c's" e "p's" mudos não enfrentarão praticamente qualquer problema; já os mais velhos...

Obrigado pela simpatia.
Desde já, Boas Festas!
Fábio J. a 21 de Dezembro de 2007 às 19:50

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O autor deste blog não respeita o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa