No início dum novo ano pedem-se desejos, fazem-se promessas, reforçam-se convicções. Mas apesar de todos estes conselhos ao destino, a maioria das palavras ditas não chega a passar disso, e os acontecimentos, os actos e as mudanças são adiadas, mais uma vez, para o início do próximo ano. Uma das mudanças que se iriam dar com o início deste ano, ao bater das doze badaladas, seria a da grafia do Português. Nesta altura, o nosso abecedário já teria 26 letras e já não seria incorrecto escrever que “neste úmido janeiro, a não ratificação do Acordo Ortográfico foi um ótimo incentivo a ações de manifestação contra este”.
A pretensão de tornar a grafia da Língua Portuguesa una era já do conhecimento público (mesmo que não de todo o “público), mas quando, a 2 de Novembro do passado ano, o ministro dos Negócios Estrangeiros português anunciou que Portugal aprovaria o Protocolo Modificativo do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa até ao final desse ano, tornando-o uma realidade, foi como se um cronómetro omnipresente inquietasse muitos portugueses. A ministra da Cultura veio, no mesmo mês, anunciar que pediria um prazo de dez anos para a entrada em vigor do Acordo, prevendo-se, durante este período, a coexistência das duas grafias.
Muitos aplaudiram, mas muitos protestaram. Cedo a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (
APEL) e a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) contestaram a forma como o anúncio foi feito, de forma informal e precipitada. Outros mostraram o seu descontentamento já que, para além da injustificada e grosseira mudança, o Acordo faria com que todos os livros, sejam eles de ficção, técnicos, escolares ou dicionários, passariam a apresentar uma ortografia incorrecta, inutilizando-os.
A verdade é que o referido documento não assegura a promovida “unidade essencial” da Língua Portuguesa. E, na realidade, esta unidade é assim tão essencial? Sem melodrama, por favor: não é este acordo que aproximará os países de língua oficial Portuguesa. E a “desculpa” económica é de longe a mais ridícula. Poupar-se-á nas adaptações de documentos, livros, videojogos e software, é uma realidade, mas é este valor suficiente para custear as alterações necessárias e a entrada em vigor do documento, para além de obrigar os portugueses a escrever de forma ilógica e diferente daquela que aprenderam? Nem de longe. A única justificação, implícita e, contudo, lógica, é a conquista do economicamente crescente mercado africano. E enquanto os portugueses estarão ainda a tentar perceber o que muda e porquê, já as editoras brasileiras estarão a editar em África, felizes e contentes.
O descontentamento não se deve a medo duma suposta “abrasileiração”, nem a pura teimosia: deve-se à defesa de direitos que os portugueses têm sobre a língua que falam e escrevem.
A imprensa pouca importância deu a esta problemática, e sempre que o fez tratou-a como se fosse algo quotidiano, demasiado desinteressante para ser comentado. Talvez por isso, a pergunta que aqui coloquei no passado mês demonstre que ainda sejam muitos aqueles que desconhecem em que consiste o Acordo Ortográfico, acordo que poderia, inclusive, já ter sido aprovado e entrado em vigor. Quiçá os debates, os comentários, as opiniões e os directos sobre a simples e conhecida Lei Anti-tabaco sejam demasiado importantes para cederem tempo a uma questão sobre a nossa identidade linguística.
Mas apesar de qualquer tipo de protesto, a entrada em vigor deste acordo é (certamente) inevitável. O Governo adiou a aprovação da ratificação para este ano, sem precisar a data, mas que poderá fazer: voltar atrás com o já foi assinado e decidido? Mesmo que os actuais ministros compreendam as opiniões daqueles que não concordam com o acordo, seria deselegante e politicamente incorrecto ignorar o documento. E entre isto e tentar procurar novas opções, como anunciar que, na realidade, o documento não corresponde aos interesses dos portugueses, parece-me que acabarão por se decidir pela primeira possibilidade.
Ainda assim, não me cansarei de expressar o meu desagrado face ao Acordo Ortográfico que, a meu ver, trará mais desvantagens do que vantagens e que nos fará escrever de forma ilógica e incorrecta.
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Sabe em que consiste o Acordo Ortográfico? |
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44.32% | Sim | |
21.62% | Já ouvi falar | |
34.05% | Não | |
Estejamos atentos.