Foi no passado dia 6 que o Governo, pela voz do ministro da Presidência, anunciou aos portugueses, à lusofonia e ao mundo a aprovação da ratificação do Acordo ortográfico da língua portuguesa. Fê-lo com uma informalidade que, apesar de toda a obtusidade que marcou este processo (queria, mas o posso chamar democrático), foi ainda capaz de me surpreender.
É verdade que é ainda necessária a aprovação por parte do Parlamento e do Presidente da República, mas, para mim, continua a ser complicado perceber qual o propósito das “audiências” que serão feitas a instituições como a Academia de Ciências de Lisboa ou a Academia Brasileira de Letras (das quais vivalma dúvida do seu empenho na aprovação do Acordo) ou como a SPA e a APEL (que, por mais que esperneiem, já nada podem fazer).
Se havia algo a debater, a esclarecer ou a corrigir, que se debatesse, esclarecesse e corrigisse antes, muito antes do nosso Governo, assim como o do Brasil e dos restantes países, ratificar o documento. Para quê estar agora com subterfúgios e fundamentações se, com um pouco de racionalidade, qualquer um percebe que absolutamente nada pode ser, agora, alterado? Nem as próprias contradições, omissões e instabilidade de critérios que já figuram no Acordo ortográfico desde o seu iluminado começo, há mais de 20 anos, podem ser (vão ser, sejamos honestos) alteradas, pelo menos para já: afinal, não podemos deixar incontestáveis instituições e personalidades letradas sem uma única invenção que altere a vida de milhões de pessoas e deixe os seus nomes e títulos marcados a ferro nas páginas de quem escreve. Deixemos-lhes preparar mais uma ou duas ratificações do Acordo: ficam satisfeitos e nós, quais ovelhas bem ensinadas, deixamo-nos levar, de olhos vendados, por aqueles que decidem por nós.
Nos próximos 6 anos teremos uma dupla ortografia, ou seja, será ainda correcto, juridicamente, escrever no “velho português” do século XX. Penso que os portugueses não precisarão de tanto. Ainda não foi promulgado e já tenho professores que usam (ou tentam usar, de forma errónea e até um pouco por mania) a nova ortografia. Aqueles que conhecem o documento rapidamente quererão dar o seu ar de graça e escrever segundo as novas regras. Os outros, que pouco se importam quanto à forma correcta de escrever em bom português, desculpar-se-ão com um “o português é tramado” e lá se vão adaptando.
De forma a rentabilizar ao máximo a publicidade feita pela imprensa, a Texto Editores publica, já na próxima sexta-feira, dois dicionários e um, digamos, guia de atualização (já sem c) do Português escrito. A isto é que eu chamo rentabilizar as decisões do governo, que o diga João Malaca Casteleiro, um dos principais apoiantes do Acordo e que contribuiu para estas edições.
Contestei este Acordo. Mais uma vez digo que não o acho necessário, correcto ou lógico. Mas agora que está, praticamente, em vigor, para quê continuar a insistir, ou melhor, para quê insistir agora quando nada se fez antes? Não pretendo usar a nova ortografia, pelo menos para já, enquanto não souber exactamente, ponto por ponto, como devo passar a escrever (e haverá alguém que realmente saiba?).
Este não é o discurso de um derrotado. É apenas a opinião de alguém que não consegue passar indiferente a toda a sandice e hipocrisia que marcou o antes, o durante e que possivelmente marcará o depois da aprovação da ratificação do Acordo ortográfico da língua portuguesa.
Será este o fim da saga ortográfica?