Os livros que leio dividem-se em dois grupos: o daqueles que são desejados, e que por isso esperam na lista pela sua vez, e o daqueles que, dizendo de uma forma poética, simplesmente surgem na estante.
A Viagem do Elefante surgiu! Surgiu e impôs-se, não fosse ela uma obra da autoria de José Saramago, escritor que admiro, e o seu regresso à ficção histórica, género que me atrai e que, contado pelo Nobel português, simplesmente adoro.
A estória começa na corte portuguesa do século XVI, quando D. João III e Dona Catarina de Áustria se questionam acerca do presente de casamento que haviam dado ao arquiduque Maximiliano da Áustria. Talvez o presente não tivesse sido apropriado e talvez o elefante Salomão, vindo da Índia, o fosse. Decidem oferecer o elefante, e com ele o cornaca, o seu tratador. Estes dois partem, então, numa viagem que os levará até Viena, viagem que é também uma aventura e um palco de ideologias e valores.
As peripécias sucedem-se, sempre bem contadas e com o humor e tom crítico que caracterizam o autor. E quando a narrativa tinha tudo para ser monótona, provavelmente pela ausência de factos históricos acerca da migração ou pela simples monotonia que é a realidade, o autor utiliza as personagens para impulsionar a acção, descrevendo os seus medos, os seus sonhos, as suas vontades e todos aqueles pensamentos que invadem a mente de quem caminha sem poder olhar para trás. Destaco o cornaca, Subhro em Portugal, Fritz na Áustria, um homem invulgarmente sábio na sua simplicidade de subalterno e que, mais do que todos os outros, reflecte a aceitação consciente daquilo que a vida proporciona a cada ser.
Mais uma vez, Saramago prova ser um excelente contador de histórias. No entanto, pareceu-me haver algo estranho no seu estilo, positivamente estranho, mas evidentemente diferente. A proximidade com o leitor continua a mesma: quase que ouvia o narrador a falar ao meu lado, tal é a naturalidade e simplicidade com que a história é apresentada.
O fim da obra é digno de destaque. Não pela surpresa, que não a houve, mas pelo modo como nos é apresentado e pelo que representa. Afinal um fim, mesmo o fim da vida de um elefante, é sempre injusto. Ou talvez não. Talvez o que importe seja que a viagem, qualquer viagem, seja cumprida, e para isso há que já chegar ao fim, há que morrer.
Sem dúvida alguma, valeu a pena ler esta obra. Continuo a preferir o Memorial do Convento, porventura mais surreal e fantástico, mas A Viagem do Elefante não lhe fica a dever na qualidade e, a meu ver, supera-o mesmo em humor e cumplicidade com o leitor.

A Viagem do Elefante de José Saramago





Boas Leituras!
P.S.: A equipa dos Blogs Sapo tem uma pontaria ao destacar este blog logo quando eu ando mais ocupado... Mas obrigado! e as boas-vindas aos que leitores que por aqui passam. ;)