Junho 04 2010

Comecei a ler Memória de Elefante há quase um mês, mas parei no quarto ou quinto capítulo, não sei bem porquê. O livro ficou na cabeceira, sossegado, até que ontem o (re)li do início ao fim. Trata-se da obra de estreia de António Lobo Antunes, certamente um dos autores de referência na literatura portuguesa contemporânea.

A obra é incomum, não é fácil e exige atenção e dedicação a cada frase. Por um lado, há a narrativa de um homem sufocado pela própria existência. Por outro, há o estilo denso e invulgar do autor. E no meio há o carácter autobiográfico da obra, perturbador.

Tudo se passa em torno do psiquiatra, um homem de meia-idade, pai, divorciado e solitário, mergulhado numa crise existencial simplesmente por ser quem é. Ao longo do dia que ele, ou o outro ele, nos narra, seguimos um percurso labiríntico e quase cíclico, no qual os encontros fortuitos se tornam causa de pensamentos tortuosos e os pensamentos se tornam justificação para lembranças desejadas. Este homem busca as causas para o que é, para onde está, sem nunca concretizar expectativas credíveis, e para isso recorre a uma involuntária conjugação de tempos e realidades, numa espécie de evasão ao passado idealístico e vaticinador do presente.

É egoísta, não se cansa de o afirmar. Mesmo querendo lutar para mudar, sabe-se cobarde, incapaz de agir e de buscar aqueles que o amam para lhes dizer que também os ama. Quando é que eu me fodi? A pergunta leva-o à infância familiar, à juventude clandestina, à África bélica, ao passado de felicidade inconsciente, procurando o que mudara e perdera.

Esta estória de um só dia, que é a história de uma vida, é uma descrição artística dum mundo pessoal, paradoxo meramente linguístico e profundamente real. O autor apresenta uma diversidade linguística notável e uma narrativa irrealisticamente metafórica, que tanto me impressionou como cansou, tanto me agradou como exasperou.

Mais uma vez, não é um livro fácil e não me parece que Lobo Antunes seja um autor fácil. Mas é sincero, sem limitações ou habilidades fingidas, o que o torna um desafio bem-vindo. Verdade seja dita: não é um dos meus livros favoritos. Ainda assim, é difícil não reconhecer o valor de uma obra como esta.

Nas últimas páginas, o psiquiatra tem a certeza ou a vontade ou a ilusão de seguir em frente e atingir a existência enquanto homem. Resta saber se a sua memória cáustica, que o salva só para o manter em sofrimento, o permitirá começar uma vida menos amarga.

 

Memória de Elefante de António Lobo Antunes

Dom Quixote, 1979 (ed. 2004)

Publicado por Fábio J. às 23:14


Boa tarde.

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Livros Usados a 11 de Junho de 2010 às 18:00

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