Originalmente publicado no blog "Correio do Fantástico", em 5 de Abril de 2009, como parte do projecto "Grandes Pormenores".
O primeiro volume publicado em português, Elric – Principe dos Dragões, está repleto de elementos criativos dignos de destaque. Um deles é o Barco Que Navega Sobre a Terra e Sobre o Mar, uma embarcação mágica usada por Elric e os seus homens para se deslocarem até Dhoz-Kam e daí resgatarem Cymoril, amada daquele.
Na ânsia de salvar Cymoril, Elric enviou as suas barcas de guerra douradas, os seus homens e os seus dragões à sua procura, mas não obteve qualquer pista. Desesperado, decide invocar o deus Arioch, Senhor do Caos, que revela-lhe o local para onde Cymoril foi levada e que o aconselha a usar o Barco Que Navega Sobre a Terra e Sobre o Mar. Trata-se duma embarcação lendária, usada por um antigo herói de Melniboné. Elric decide, então, invocar Straasha, o deus do Mar. Este conhece o barco pois pertence-lhe, mas pertence também ao seu irmão Grome, deus da Terra. Straasha compreende a angústia do rei albino a cede-lhe o barco. Aconselha Elric a esperar, pois o barco iria até ele. E assim foi…
Na amanhã seguinte, Elric viu algo emergir da floresta “em tons de branco, azul e negro”. Era o seu barco à vela, descrito na seguinte passagem:
“A embarcação era alta esquia e delicada. (…) Apesar da construção em madeira, esta não se encontrava pintada, embora exibisse um brilho natural que oscilava entre tons de azul, negro, verde e vermelho esfumado. O aparelho era cor de alga, e os veios nas tábuas polidas do convés faziam lembrar as raízes de uma árvore. As velas pairavam cheias dos três mastros afilados, brancas e leves como nuvens num dia ameno de verão. A embarcação era tudo quanto de belo se podia encontrar na natureza; (…) Numa palavra, toda a embarcação irradiava harmonia”.
O modo como a embarcação se deslocava é, talvez, o mais interessante. No mar, era mais rápida do que qualquer outro barco, em terra…
“A embarcação sulcou gentilmente a terra, qual superfície dum rio, e o chão por baixo da quilha ondulou como se transformado por momentos em água. (…) passado o navio, o chão logo tornava ao seu estado sólido normal.”
“O navio seguia a grande velocidade por declives rochosos e montes cobertos de tojo; abriu caminho através de florestas e cursou imponente pelos prados. Movia-se como um falcão a baixa altitude, que permanece junto ao solo mas se desloca a uma velocidade e precisão incríveis enquanto persegue a vítima, mudando de direcção com um bater de asas imperceptível.”
O barco não tinha âncora, e sem maré em terra a única forma de o fazer mover era dizer-lhe que os tripulantes estavam prontos para zarpar. Inicialmente, a condução foi complicada pois, dada a indicação para iniciar o movimento, o barco foi em direcção à muralha da cidade, mas…
“Elric foi rapidamente até ao centro da popa onde se encontrava uma enorme alavanca horizontal ligado e a um mecanismo de cremalheira que por sua vez estava ligado a um eixo. Quase de certeza que era o leme. Elric segurou a alavanca como quem segura um remo e forçou-a a um ou dois encaixes. O navio respondeu de imediato…”
Pela peculiaridade e criatividade intrínseca, achei este barco um grande pormenor, digno de destaque. A viagem de Elric e, em especial, o Barco Que Navega Sobre a Terra e Sobre o Mar são elementos fundamentais nesta obra de Moorcock, conduzindo o leitor para um mundo surreal e atraente.
Hoje em dia, existem viaturas híbridas que se deslocam em terra e em água, mas a tecnologia ainda não foi capaz de ofuscar este grande pormenor da literatura fantástica.
Fontes: Livro Segundo: Cap. 4, 5, 6 e 7, Elric – Príncipe dos Dragões, de Michael Moorcock, Saída de Emergência, 2005