Uma das minhas últimas incursões literárias destas férias foi em O Amante, de Marguerite Duras, uma novela aparentemente autobiográfica com uma construção singular. Publicada originalmente em 1984, esta história, se é que assim posso designar tal amálgama de narrativas, tem início em 1929, na Indochina francesa. Na verdade, será melhor referir-me à obra como uma colectânea de memórias em torno duma relação amorosa, na qual o tempo é uma peça maleável, pelo que me é difícil precisar quando começam ou acabam os acontecimentos nela narrados. Esta é, aliás, uma particularidade interessante desta obra sem capítulos, que torna a sua apreciação possível apenas quando se juntam os tempos e os lugares e se observa uma história una.
A narrativa começa com uma velha mulher recordando o dia em que um homem lhe diz quão bonita é, com o seu rosto devastado. É então que as imagens surgem, e em menos de nada estamos junto dela, com os seus 15 anos, a atravessar numa barcaça o rio Mékong e conhecendo um homem chinês, filho de uma magnata local, que se tornaria seu amante. A relação que naquele instante começa é, porém, mero reflexo da alienação familiar e das condições económicas que moldaram aquela adolescente europeia, para a qual o “muito cedo” foi já “tarde demais”. Não é claro se ela o ama ou se em algum momento o chega a amar, mas é com ele, na sua limusina e no seu apartamento, separada do mundo por simples persianas, que escapa às contingências da vida e à sua mãe viúva e depressiva, passando a traçar, sozinha, o seu próprio caminho.
Não posso dizer que gostei, pois tudo me pareceu demasiado confuso para ser compreendido. As frases e parágrafos curtos foram facilmente assimilados, mas, pelo contrário, não consegui alcançar o cerne da narrativa. Era como se, ao acompanhar as recordações e os monólogos internos da narradora, cada página me afastasse mais da protagonista (ou seja, dela mesma), sem me fazer questionar o enredo, mas levantando várias questões.
A obra tem o suficiente para aguçar a minha curiosidade, está repleta de imagens fortes com o seu quê de incómodo, aversão e raiva, mas também sensibilidade e amor, e não é aborrecida. O seu teor emocionar e a expressividade, por vezes, poética, tornam-na uma leitura com bom ritmo, e a jovem adolescente é uma figura fascinante, devido à sua inteligência, rebeldia e sagacidade. Contudo, ficou aquém das minhas expectativas.
Talvez devesse reler esta obra, que consagrou a autora como uma referência da literatura francesa do século XX, mas, para já, fica a certeza de se tratar de um livro com dualidades, com tanto de belo como de desorientador.
O Amante de Marguerite Duras
Luísa Costa Gomez e Maria da Piedade Ferreira, Difel (edição Biblioteca Sábado, 2008)
Até Breve!