Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto, a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legitima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
Orfeu Rebelde de Miguel Torga
Há 100 anos nasceu Miguel Torga (pseudónimo de Adolfo Correia Rocha), aquele que é hoje considerado “o escritor mais autenticamente português”. Formado em medicina, foram as histórias, os diários e os poemas que tornaram Torga uma referência da literatura portuguesa. Homem do mundo, vivia para cantar a sua terra, a sua identidade transmontana, portuguesa e ibérica, uma cultura que o alimentava e sustentava e para a qual ele contribuiu singularmente.
Sempre ligado à Natureza, Torga tornou-se o Orfeu português, uma personagem única e autêntica que perdurará pelos tempos, tal era a alma da sua escrita.
Miguel Torga morreu em Coimbra, a 17 de Janeiro de 1995. Foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX.
Do escritor apenas li um livro de poesia e parte dum diário. Estou a pensar reler todo este diário, nesta ocasião. Embora a sua lírica não seja a minha favorita, admiro a infindável busca pelas raízes e a forte ligação à terra que este autor nos apresentou. Talvez tenhamos algo a aprender com ele.
Boas férias e Até Breve!!!